segunda-feira, 9 de julho de 2012

De cinema, televisão e Hollywood



Em algum ponto em abril, enquanto fazia uma de minhas já tradicionais visitas aos meus costumeiros sites sobre cinema, me deparei com esse artigo de James Wolcott para a revista Vanity Fair, datado de antes do Oscar deste ano: http://www.vanityfair.com/hollywood/2012/05/wolcott-television-better-than-movies (em inglês, mas para quem puder, vale a pena ler). Em resumo, Wolcott proclama a morte do cinema tradicional americano, em comparação, pelo menos, com a televisão americana e seus produtos. Uma posição extrema, sem dúvidas. Mas será que válida? O cinema estaria mesmo enfrentando uma crise de proporções tão grandes que seus fãs deveriam simplesmente fazer uma migração para a televisão - e "migrar para a televisão" são palavras bastante estranhas para 2012, se você pensar bem. Wolcott exagera um pouco no tom quase apocalíptico, é preciso reconhecer, mas, de maneira geral, ele está certo em todo o resto. Sim, o cinema é imortal e pessoas de visão e talento existem em todos os lugares do mundo, contudo está cada vez mais claro que o cinema vem perdendo e muito em qualidade em função do esvaziamento de ideias ou mesmo de conteúdo para bons roteiros e uma perda quase generalizada de coragem.

Vamos pelo começo. Quando alguém passa a se dedicar a falar de cinema moderno, é basicamente impossível não tocar no assunto Hollywood. Ainda que a pessoa em questão queira negar todos os valores do cinema tradicional hollywoodiano, ela precisa primeiro expor sua posição e seus fundamentos. O cinema americano lançou várias bases e tendências ao longo do século XX que viriam a se tornar padrões para a sétima arte, de forma que é impossível não prestar honras ao cinema clássico americano e reconhecer a importância e impacto de seu conglomerado empresarial, Hollywood. Desse modo, é igualmente impossível não admitir que qualquer mudança nos padrões de Hollywood afetam, sim, o cenário do cinema mundial. Negar isso é presunção e não querer ver o óbvio. O que torna o artigo de Wolcott mais interessante ainda, porém, é sua comparação do cinema com as séries americanas, o inegável segundo produto cultural mais tradicional dos Estados Unidos. E é aqui que a coisa pega.

Assim como o cinema americano influencia pessoas por todo o continente e além-mar, sua televisão também. Com a explosão da TV à cabo, as séries se tornaram muito populares e invadiram lares de todo o mundo - sem mencionar o apoio mais recente da internet, que atua como faca de dois gumes, tanto difundindo quanto facilitando a distribuição de downloads não autorizados. Em termos de Brasil, seu acesso e apreciação ainda é limitado a uma classe média, enquanto o cinema segue sendo mais universal, mas os efeitos da invasão das séries se fez presente até na TV brasileira, que na última década investiu mais tempo de sua programação em suas próprias aventuras no gênero, ainda que de forma particular. Tudo isso torna mais fácil para que os privilegiados com acesso daqui possam reconhecer que o padrão da televisão americana está mais alto do que nunca, algo que eles próprios já perceberam há muito tempo.

Séries como Mad Men, Game of Thrones e Boardwalk Empire se destacam como superproduções do presente, com roteiros primorosos e valentes. Sem mencionar séries já encerradas, como Lost (ainda hoje, minha série favorita e inabalável em seu primeiro lugar) e The Sopranos. Na medida oposta, o cinema fica cada vez mais careta e conservador. Isso falando apenas de drama, pois na comédia a TV já superou o cinema há muito, desde que Friends e Seinfield ganharam corações ao redor do mundo. A tradição se mantém viva hoje, com sucessos de público e de crítica como The Big Bang Theory, How I Met Your Mother, Community e Parks and Recreation. Todas essas séries têm mostrado iniciativas mais inovadoras e propostas mais promissoras do que a maior parte do que é feito no cinema atual. Por uma série de razões, produtores, diretores e roteiristas constantemente investem em fórmulas mais tradicionais, deixando os riscos de lado para atrair audiências cada vez mais amplas, o que não deixa de ser um reflexo de como as cifras cada vez mais altas vêm interferindo e pedindo resultados mais práticos.

Sem dúvida existe uma grande leva de diretores talentosos fugindo dos padrões com frequência e entregando trabalhos constantemente originais: Martin Scorsese, Woody Allen, Terrence Malick, Steven Spielberg, David Fincher, Darren Aronofsky, Christopher Nolan, só para nomear alguns. É certo também que existe vida fora de Hollywood e vida em abundância, não só nos cinemas de outros países, mas igualmente no cenário independente americano, que a cada ano vem emplacando filmes de sucesso. Contudo, é uma pena ver o potencial de uma grande máquina de cinema ser desperdiçado visando escolhas que têm muito pouco a ver com arte. Enquanto a televisão vêm preencher esse vazio, fica a esperança de que a sétima arte americana possa atravessar essa crise generalizada de criatividade e possamos dispor de variadas formas de entretenimento de qualidade.

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